Porque há cristãos que se desviam da igreja?

Soou como uma bomba quando se espalhou a notícia que o "irmão Valtemir" se desviou da igreja. Era o presbítero mais procurado para orações! Entregava cada mistério que arrepiava os mais pentecostais e avivados da pequena cidade onde morava. "O homem tinha uma visão de raio-x", dizem muitos. O seu olhar na igreja fazia tremer quem estava em pecado. Os cultos que Valtemir pregava, ou dirigia, era fogo puro. Algumas meninas da mocidade, quando sabia que ele seria o pregador da noite, faltavam culto, saiam da igreja mais cedo, arrumavam qualquer desculpa para não ficarem na mira do olhar fuzilante do homem de Deus. Adultérios, fornicações, o que fosse, se tivesse de apontar, o homem apontava, e tinha razão! Muitos vinham ao altar chorando, e confessavam seus pecados. 

Porém hoje, quem deveria ir ao altar chorando seria o próprio Valtemir. Desviado, bêbado, triste, o homem que sacudia os cultos está no extremo oposto da fé cristã. Bebe até não aguentar mais, e volta para casa aos tombos. A esposa continua na igreja e nunca conseguiu entender tamanha apostasia. O nome "Valtemir" foi trocado, óbvio, para preservar a identidade. Mas o fato é real, e aconteceu não só com ele, mas com milhares de "Valtemir's" espalhados pelo mundo. Porque um homem que era tão usado por Deus, se desviou a ponto de viver como quem nunca conheceu o evangelho?

Prega-se tanta coisa no meio evangélico, que, por vezes, os próprios cristãos se vêem confusos em definir o que eles mesmos acreditam como regra de fé, e ideal no Reino de Deus. A cada momento surgem super-pregadores da Palavra, com mensagens "impactantes", frases de efeito, etc. Versículos bíblicos, que antes faziam parte de uma leitura devocional, agora são associados aos segredos da prosperidade financeira, dicas de um avivamento explosivo, vitórias sobre o inimigo, e outras interpretações. 

Enfim, o aprendizado evangélico atualmente, tem sido, para muitos, uma verdadeira colcha de retalhos, onde a definição não existe, mas apenas "sentimentos". Há cristãos que são guiados pelo famoso "senti que isso não é de Deus". A emoção é algo que, na maioria das vezes, confunde as pessoas, principalmente em se tratando de assuntos espirituais. A bíblia nos exorta de como enganoso é o coração do homem. A longo prazo a frustração é algo certo na vida de quem vive de "sentir", e não de entender as coisas segundo a Palavra de Deus. Com certeza, quem vive assim, é um futuro desviado da igreja.

"Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; 
quem o poderá conhecer?" (Jeremias 17:9)

Os sentimentos que muitos cristãos tem são, em sua maioria, contraditórios, confusos, e até hipócritas, diga-se de passagem. Partindo do princípio que "Deus não faz acepção de pessoas" (Romanos 2:11), não demora muito para se perceber os "dois pesos e duas medidas" no julgamento que muitos deles fazem. Como por exemplo, a 'cobrança' na fidelidade na vida de algum irmão. Quanto menos poder aquisitivo, ou seja, mais pobre a pessoa for, mais vulnerável a julgamentos ela é nos círculos dos "sentidores" das coisas de Deus. 

Se um irmão chega a pé em uma reunião, a cobrança por aparência e "santidade" é maior, do que com o irmão que chega em um carro novo. O irmão rico da igreja é visto como um "mistério", e seus deslizes, suas faltas aos cultos, suas vestes, suas atitudes mesquinhas, seu palavreado, é bem mais tolerado e perdoado do que o irmão mais humilde. O irmão pobre, que falta um culto, logo é cobrado. "-Porque o irmão fulano faltou o culto?" E justamente o que tem um bom automóvel, quase nunca é exortado.

"Mas vós desonrastes o pobre. Porventura não são os ricos os que 
vos oprimem e os que vos arrastam aos tribunais?" (Tiago 2:6) 

As chances do esfriamento espiritual neste caso envolve os dois, tanto o irmão pobre como o rico. Um, logo sentirá a indignação de ser chamado a atenção por motivos mais óbvios do que o irmão abastado, que tem melhor condição de se deslocar para a igreja. E o outro por ser tratado não pelo que ele é, mas pelo que tem, não amadurece na vida cristã. Vai ao culto quando quer, visita um zilhão de igrejas, e vive enfiado em tudo que é evento evangélico. É uma árvore sem raiz, mas muito respeitado pela grande maioria dos irmãos. Como pode uma pessoa "sentir" de chamar a atenção de um irmão, que é pobre, e nunca sentir o mesmo com o irmão que é empresário?! Logo percebe-se que este "sentimento" é fruto de um preconceito, comum também em pessoas não-cristãs. Ou seja, é uma atitude mundana! E as lideranças que assim se comportam, criam as cobras que futuramente irão lhes ferir. Ambos, se não se desviarem, num futuro não muito distante, e por motivos totalmente diferentes, saem, e abrem as suas próprias igrejas. Mais a frente ele repete o processo quando tiver um irmão rico em seu rol de membros.

"Porque, se no vosso ajuntamento entrar algum homem com anel de ouro no dedo, com trajes preciosos, e entrar também algum pobre com sórdido traje, e atentardes para o que traz o traje precioso, e lhe disserdes: Assenta-te tu aqui num lugar de honra, e disserdes ao pobre: Tu, fica aí em pé, ou assenta-te abaixo do meu estrado, porventura não fizestes distinção entre vós mesmos, e não vos fizestes juízes de maus pensamentos?" (Tiago 2:2-4)

No início, após a gloriosa conversão, o cristão segue os conselhos e ensinamentos do pastor. Vai a Escola Dominical, reuniões de estudos bíblicos, enfim, tudo está muito bem até então. Com o tempo, o crente começa a achar que as profecias e revelações que ele ouviu em vigílias, montes e consagrações, o torna um "vaso" não reconhecido pela sua igreja e ministério. Durante o culto, ao ver algum irmão mais simples testemunhando ou pregando, comporta-se como um indignado. Tinha que ser ele! Sai de dentro da igreja, vai na cantina, banheiro, conversa na porta da igreja, nem aí para o que os outros estão falando. Mas se você não der a mesma atenção para o que ele falar é porque você está "desligado". 

No fundo o que ele mais fantasia é que um profeta se levante no meio da igreja, durante o culto, e bradar, com a igreja muda, todas as profecias e revelações referentes a ele, que ouviu nas 'reuniões de fogo' que visitou. Que a obra na vida dele é 'tão grande', mas 'tão grande', que ninguém ali estaria preparado para entender. Daí os irmãos, obreiros, o pastor, o passariam a vê-lo com outros olhos. Mas isso não acontece e ele vai embora pra casa 'marchando', se sentindo uma estrela não vista, um artista sem dar autógrafos, e já planeja mudar para a igreja onde rolou as revelações com ele. Um passo em direção ao desvio. Sua imaturidade não permite ver que lá encontrará problemas iguais ou até piores.

"Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada 
um considere os outros superiores a si mesmo". (Filipenses 2:3)

Outro fato que contribui para a apostasia é a mudança brusca de interpretação, sem base bíblica, do que é a "santificação" na vida cristã. A maioria dos evangélicos, diante de um grave problema pessoal começam a recorrer a reuniões de oração, algumas intituladas "fogo puro", onde a cobrança por 'santificação nas vestes' é áspera. Não é tolerado crente que usa bermuda ou camiseta, mesmo dentro de casa, e, segundo os mais rigorosos, até na hora de dormir. Falta pouco tomar banho de roupa. Há um repúdio para quem não se adapta as suas "doutrinas", como chamam, e cobram severamente de quem quer "receber alguma bênção". Mesclado a uma lista de podes e não podes, estes irmãos entregam um caminhão de revelações, e algumas "batem" com o que a pessoa está vivendo. Em meio a estes sermões exigentes, a pessoa que está numa baixa auto-estima em virtude de algum problema pessoal grave, acaba por se adaptar aos dogmas, no objetivo de ter aceitação social nestes grupos, e mais rapidamente ver sua bênção chegar. Ou seja, não houve nenhuma "libertação" de algum tipo de mundanismo, mas um interesse em não ser rejeitado das reuniões de fogo. 

Na realidade muitos destes 'profetas', quando iniciam na obra de Deus com sinceridade, humildade, e muita oração, (antes de tomarem posturas de julgarem e condenarem as pessoas), até são mesmo usados por Deus. Entregam revelações de assuntos íntimos, pessoais, impossíveis de saberem através de alguém, e por isso são vistos como irmãos consagradíssimos. Começam a ser mais respeitados do que o pastor da igreja. O líder de sua igreja não significa mais tanta coisa. Os irmãos dos "mistérios de fogo" agora são os "vasos" inseparáveis da caminhada cristã. Onde eles vão, vigílias, orações, vai toda aquela tropa de crentes, que não lê, não entende, nem procuram entender nada de bíblia, não sabem nem o que estão fazendo, mas adoram revelações, profecias, sonhos, visões e outros 'mistérios profundos'. Em pouco tempo de convivência percebe-se a malícia, disputa de profetas, de quem entrega mais revelações, e começa a divisão unida. Andam juntos, mas cada um por si. Fofocas, disse-me-disse, e quem vira as costas para ir pra casa dormir, descansar, ou resolver outros afazeres, é porque Deus 'arrancou' estes, e deixou os "mais puros ali" reunidos, para algo mais misterioso ainda. Só nunca se sabe o que. 

"Não deis ouvidos às palavras dos profetas, que entre vós profetizam; fazem-vos desvanecer; falam da visão do seu coração, não da boca do Senhor". (Jeremias 23:16)

Embora eu tenha um respeito enorme por estes irmãos, pois sei que no meio deles há muitos homens e mulheres de Deus, digo sem medo de errar: há muitos equívocos (mesmo que a intenção seja de nunca entregar falsas profecias), que atingem em cheio o coração das pessoas que seguem mais revelações do que a Palavra de Deus, e o resultado disso tudo é a pessoa, decepcionada, se desviar da igreja, e não acreditar em mais nada daquilo. E pode observar a vida destes rapazes dedicados a estes movimentos de fogo. Entra ano, sai ano, estão a mesma coisa. Não foram para outros países, como diziam as pseudo-revelações, não estão fazendo nada de extraordinário como se esperava, e vivem entregando quase as mesmas visões, mas para pessoas diferentes. Em muitos casos, não demora muito, se envolvem sexualmente com alguma moça da igreja, a namorada surge grávida, etc. Isso quando o escândalo não é o envolvimento com alguma destas irmãs casadas, que o marido fica sem comida pronta, a casa uma bagunça, e elas tem que ir "fazer o que Deus tá mandando". E enquanto nada é descoberto, estão lá, rasgando profecia pra todo lado.

"Nos profetas de Samaria bem vi loucura; profetizavam da parte de Baal, e faziam errar o meu povo Israel. Mas nos profetas de Jerusalém vejo uma coisa horrenda: cometem adultérios, e andam com falsidade..." (Jeremias 23:13-14)

Se você é cristão já a algum tempo, amadurecido, sabe que o que estou escrevendo aqui não é uma história que criei, algo da minha cabeça. Sabe que é uma realidade incontestável, isso se você mesmo já não passou por situações semelhantes. O que mais desejo em escrever artigos realistas não é dizer que sei mais da Bíblia, ou criticar igrejas ou pessoas, até porque nunca cito nomes. Mas o propósito é focar a sinceridade de coração na vida de cada cristão. 

Quando vivemos algo, porque a religião ou algum suposto 'profeta' ordenou, criamos uma falsa fé, uma hipocrisia, fazemos acepção de pessoas, julgamos, condenamos e amaldiçoamos pessoas. Quando vivemos uma fé sincera, embasada na Palavra de Deus, exercitamos o amor ágape, o amor verdadeiro, que ama aos irmãos, sejam eles ricos ou pobres. Que respeita profundamente o irmão que anda a pé ou que tem um carro importado. Que aconselha e ora pelo semelhante, ao invés de espalhar boatos que nem sabe se tem fundamento. Sua conduta e seus pensamentos estão voltados para uma reta justiça, e não a hipocrisia das aparências, a religiosidade e as suas demagogias. O seu coração é direcionado a atender ao Reino de Deus, ajudar sem olhar a quem, e ser apenas servo. Este é um grande passo para nunca se desviar dos Caminhos do Senhor!

"Por isso façamos a festa, não com o fermento velho, nem com o fermento da maldade e da malícia, mas com os ázimos da sinceridade e da verdade". (1º Coríntios 5:8)

"Porque nós não somos, como muitos, falsificadores da palavra de Deus, antes falamos de Cristo com sinceridade, como de Deus na presença de Deus". (2º Coríntios 2:17)

Denis de Oliveira é pastor da Assembleia de Deus, Ministério Poder de Deus, RJ.

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