O contrassenso na vida do povo evangélico!

As vezes me surpreendo analisando o comportamento evangélico. Como pode um cristão, apregoar uma coisa com tanta fé, e viver totalmente o oposto daquilo que prega, sem isso lhe causar incômodo ou arrependimento? Não me refiro a perfeição. Estamos longe de chegar a este patamar, seja membro, pastor, missionário, etc. Aqui na terra, enquanto vivemos nesta carne, o pecado será sempre uma constante, e um alerta da nossa dependência da graça! (Obs: Isso não significa viver uma vida de pecado. Uma coisa é você errar, falhar, ocasionalmente, e outra é você viver sob o domínio do pecado). Se eu prego contra um determindo tipo de atitude, e aconselho com veemência a se ter um comportamento "diferente do mundo", eu não posso, em hipótese alguma, praticar justamente o que eu tanto condeno. Mas por incrível que pareça, é o que mais acontece no meio do nosso amado povo evangélico.

Seria incoerente de minha parte afirmar que nossos amados irmãos pregam muitas coisas com "fingimento". Apesar de realmente muitos na prática viverem uma fé notadamente fingida, a maioria peca pela ignorância e falta de maturidade cristã. "O meu povo foi destruído, porque lhe faltou o conhecimento". (Oséias 4:6) Falta preparação, instrução, aconselhamento, enfim, um conjunto de fatores do viver cristão, que amadurecem um homem ou mulher de Deus, para não pregarem, por exemplo, com o coração cheio de inveja, ódio, revolta, e descarregar no púlpito as suas frustrações. "E o que de mim, entre muitas testemunhas, ouviste, confia-o a homens fiéis, que sejam idôneos para também ensinarem os outros". (2º Timóteo 2:2) Por esta e por outras razões, os cristãos antigos aguardavam um bom e merecido tempo, antes de sairem pregando, testemunhando, representando a igreja de Cristo mundo a fora.

Atualmente o que vemos são pregadores, com dois ou três meses de convertido, rapidamente tornando-se 'conferencistas'. Sob o pretexto e argumentação de que "o tempo está curto", ou "a obra na vida do irmão está atrasada", pois era um desviado que já "conhecia a verdade", sentem-se preparados para pregar e "brilhar" nos púlpitos das igrejas, que no fundo é o que mais almejam. Resultado: 'meninos' na fé se desdobram para viajar para qualquer lugar, munidos de uma importante maleta estilo '007', com bíblia e agenda dentro, pregando o que acham, o que eles mais ou menos entendem de bíblia. Ouvem pregações aqui e ali, aprendem algumas frases de efeito no meio pentecostal, pulam, sapateiam, gritam, e espalham uma miscelânea de achismos, e, não demorando muito, fundam mais uma igreja, a "mais pura de todas", detentora do único conhecimento da"santidade" quase arrebatadora, "mistério profundo" que as outras igrejas desconhecem. 

A igreja que eles fundam tem como estatudo doutrinário uma 'colcha de retalhos' de achologias, sonhos, visões, revelações, e partes de versículos bíblicos isolados, interpretados por uma mentalidade pífia, vergonhosa. Mais uma para entrar nas estatísticas aqui no Brasil, o maior complexo de denominações evangélicas da América Latina. A 'Igreja do Fogo que Sobe' fica situada, por mera coincidência, na mesma rua da 'Igreja do Fogo que Desce'. A primeira é a "certa", porque lá a oração é tanta, que o fogo sobe! É um fogaréu!!! Mas a segunda pode ser a certa, porque lá o fogo desce sobre todos! E daí este blá blá blá você irá ouvir de alguns líderes que, diferente de estarem preocupados com o dia do arrebatamento, estão preocupados em arrebatar pessoas para os seus templos.

Para algumas igrejas, se você é um dizimista fiel, não precisa mais se preocupar tanto com a famosa "carta de transferência", exigida rigorosamente até o início dos anos 1980. Quando você saía de uma igreja, e se transferia para outra, você pegava, na secretaria, a sua 'carta', assinada pelo pastor, como um atestado que você era um membro fiel, assíduo, daquela congregação. Hoje até falam da carta. Se você tiver, muito bem. E se não tiver a tal carta, "aleluia irmão", e está tudo bem também! Vão te recusar? Corre-se o risco de você, obviamente, ir para outra igreja! O que não falta hoje é igreja para você ir e o pastor dizer que Deus acabou de te enviar para aquele lugar.  

Todavia deixo claro aqui que esta "carta" de mudança de igreja é só um detalhe. Pode ser mesmo que a outra igreja, que a pessoa saiu, de 'picuinha' por a pessoa ir para outra (não duvide, isso também acontece), não dê a carta, e a vida sincera, o bom testemunho da pessoa, seja a sua melhor carta de transferência! Cito a carta, como exemplo da mudança nas rigorosidades religiosas que orbitavam no meio evangélico, e o tempo as tornou obsoletas. Antigamente, quando o número de igrejas era escasso, era fácil dizer a pessoa: "Para onde você vai sem a sua carta?" Hoje as igrejas se multiplicaram e o que não faltam são denominações para dizer "Glória a Deus" com a sua chegada, e que "a obra está crescendo".

Jamais vou generalizar. Há muitas igrejas sérias, independente da denominação, que trabalham com ética, que estão mesmo precocupados com o Reino de Deus. Quando eu era missionário visitei e preguei em muitas igrejas, onde minha vontade era ficar ali e não sair mais, tamanha a sinceridade dos irmãos, amor verdadeiro, pastores, líderes, sofredores, homens e mulheres de oração, que sofrem as mais diversas perseguições, e permanecem firmes, em oração, e não tiram a mão do arado, nem olham para trás. E há muitos assim, que pregam o evangelho verdadeiro, que adoram em espírito e em verdade. Porém, infelizmente há os que escandalizam. Há igrejas em que a sua carta de recomendação chama-se 'dízimo'. Se for rico, então, em poucos dias a subida na escada ministerial já é certa! Um estratégia para "segurar" esta ovelha de valor. Um método inconsequente para 'fisgar' de vez o "peixe grande", que o líder acredita que o Senhor colocou ali para 'abençoar' o seu carro do ano, ou melhor, a "obra de Deus".

Um comportamento condenado no meio evangélico é o ato de fumar cigarro. Uma pessoa que vai a igreja e ainda fuma é considerado apenas como um mero "visitante". Largar o vício do fumo de vez ainda é o maior sinal que a pessoa realmente abraçou a fé e se converteu. Não será aceito uma "falha", em que um belo dia, a pessoa não resista, e venha a pegar num cigarro. Um crente acender a "chupeta do demônio" é o mesmo que xingar a Deus, se drogar, ir para a bruxaria, virar ateu, e se tornar um possesso pelo demônio. A imagem de um cristão fumando é inaceitável, e repudiada cem por cento pela igreja. Concordo não só pela espiritualidade, mas também pela saúde. Todo mundo sabe dos males que o fumo causa ao corpo. Somos templo de Deus, e se você destrói o templo de Deus, também será destruído. (1º Coríntios 3: 16,17) 

Porém não vemos o povo evangélico, em sua maioria, ter a mesma visão radical do crente viciado em "fofoca". Para muitos, mesmo que a bíblia condene falar mal dos outros, ("Irmãos, não faleis mal uns dos outros". Tiago 4:11), mesmo que as Escrituras advirtam ao amor incondicional ao próximo, este pecado não só será perdoado, como ainda será motivo de risadas, e pior: será de grande interesse de algumas lideranças, para "ficar sabendo" do que acontece na vida dos membros. Estar alienado da vida alheia, e não estar sintonizado nos "babados" da comunidade, é um tipo de "ingenuidade" inaceitável para alguns pastores. Condena-se o vício do cigarro, da bebida, mas não de atitudes que também mancham a imagem da igreja. Enxerga-se fofoca e falsidade como pecados perdoáveis e corriqueiros.

Aprendemos, na jornada cristã, um corinho conhecido, que ensina: "Entrega os seus problemas nas mãos do meu Senhor da Galiléia...Meu Jesus que cuida de mim, noite e dia sem cessar..." Este corinho tem base bíblica, que diz: "Entrega o teu caminho ao Senhor, confia Nele, e o mais Ele fará". (Salmo 37:5) Ora, se a minha confiança está num Deus que cuida de mim, noite e dia sem cessar, porque eu precisaria ouvir fofocas, preocupado em 'saber' das coisas? Porque eu estaria em 'rodinhas de fofoca' para saber da vida de outro irmão?! Contribuiria a fofoca para o meu sermão surtir mais efeito? Quando eu prego em um lugar desconhecido, não deixo Deus falar da maneira que Ele quiser?! Porque na igreja que dirijo tenho que jogar "indiretas", embasadas no "ouvi dizer", "disse-me-disse", que, com toda certeza, não surtirão o mesmo efeito, de quando o Senhor fala aos corações. Muitos, ao contrário, querem usar Deus, para tentar colocar a igreja "nos eixos", no seu modo de ver as situações na vida das pessoas. Quando fazemos do nosso braço de carne a nossa força, o resultado são intrigas, divisões, pessoas que saem magoadas e acabam até por se desviarem da fé, tamanha decepção. "O irmão ofendido é mais difícil de conquistar do que uma cidade forte; e as contendas são como os ferrolhos de um palácio". (Provérbios 18:19)

Só o amor de Deus enxerga muito além dos olhos humanos. Somente o Senhor, que sonda os corações, sabe porque um irmão falhou, porque um irmão errou, assim como um pastor enxerga o erro dos seus filhos. Aliás, como são perdoados e apagados da memória da igreja os pecados dos filhos do pastor! Já percebeu com que "amor" são tratados os adultérios, fornicações, desvios, dos filhos de pastores?! Alguns tem a proeza de chegar a dizer que o pecado na vida destes "meninos" fora "da vontade de Deus". Se você comentar que o filho pastor está desviado, quando não desviam o assunto, alguém logo lhe diz: "Mas já está voltando...", "Ele está em outra igreja...", "Ontem ele chorou muito em uma reunião..." Tudo mentira! Não se diz o mesmo do filho do irmão que é pedreiro! Aquele desviado, filho do irmão pobre da igreja, é um filho do inferno, filho do capeta, que qualquer hora pode morrer desviado, ou Jesus voltar e ele ficar! O mesmo tratamento diferenciado é dado a filhos de políticos ou filho de algum empresário, que um dia já esteve com o nome no rol de membros da igreja, e com certeza ajudava com um dízimo "gordo".

Em certa ocasião, ao encerrar o culto, uma irmã "desceu o cajado" (este é o nome dado ao esculacho evangélico) num rapaz, desviado dos caminhos do Senhor, que visitou a igreja, numa cobrança radical para ele retornar para Jesus. Posso até concordar, se ela realmente fora tocada por Deus para assim adverti-lo. Neste caso, quem sou eu para julgar! Porém, cinco minutos depois deste rapaz ir embora, entra pelas portas da igreja o filho de um conhecido deputado. Este rapaz também é desviado da igreja, e ela sabia disso. Saiu correndo de onde estava, e carinhosamente foi abraça-lo. "Oh, meu amado irmão..." Irmão?! Todo mundo sabe que o sujeito é desviado da igreja! Faz tanto tempo que ele é desviado, que saudou um irmão com a "paz da graça". Não sei se alguma igreja saúda assim, mas acho difícil. E ele é um afastado confesso. Não esconde isso de ninguém. E sua presença ali se deu porque era época de eleição, e sua intenção era pedir votos para o pai. E nem foi assistir o culto. Foi depois que encerrou, apertar a mão dos "irmãos". Porque ela não usou do mesmo carinho com o rapaz que ela conversou cinco minutos antes? Porque não pregou com o mesmo rigor e autoridade com o filho do político, que também é um desviado, que 'conhece a verdade'?! Um tanto contraditório este tipo de comportamento, não acha?!

Conselhos para entregar os seus problemas nas mãos do Senhor, é dado de púlpito, quase nunca vivido na prática. É como se diz popularmente, "da boca para fora". Não passa disso. Diante dos problemas, a grande maioria toma as atitudes como melhor lhe convém. Não que eu acredite que devemos ficar de braços cruzados diante de algumas circunstâncias. Não é a situações que precisam de nós que estou me referindo. Me oriento no conselho tão pregado, de "entregar seus problemas nas mãos do Senhor". Do contrário, porque se canta este hino? Porque então se prega e se aconselha tanto a deixarmos as nossas causas nas mãos do Senhor?? Entendemos que, diante de uma situação controversa, entregamos nas mãos de Deus um determinado tipo de problema, e que não agimos pelo impulso da vingança, do ódio, da revolta. Podemos até ficar indignados, mas não deixarmos o sol se por sobre nossa ira! O que vemos são determinados líderes, cantores gospel, pregadores, falando em advogados, processos, etc. Há pastores que chegam a usar um linguajar semelhante a de um delegado estressado com bandidos. Entra na igreja com a cara 'amarrada', sai do gabinete 'cuspindo maribondos', reclamando de tudo e de todo mundo. Resumindo, um cristão com um comportamento semelhante a este, não aprendeu nada do que é ser cristão. Pode saber a teoria da Bíblia, mas não vive o Evangelho genuíno de Cristo. Não podemos ter uma vida cristã de "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço". Isso é condenável pelas escrituras, e não gera frutos!

Viva uma vida cristã, não perfeita, pois, como já disse, não nos é possível. Mas viva com sinceridade em seu coração. Antes de buscar "dons", de querer "pregar" e ser o "pregador da noite", peça a Deus para ter um coração mais puro, com amor verdadeiro ao seu próximo. Peça a Deus, mesmo que você não faça, nem goste de fofoca, para purificar os seus lábios. Que não saia de sua boca nenhuma palavra que possa magoar e destruir a vida do seu irmão. Peça a Deus para você ser "diferente do mundo" não somente em seu exterior ou comportamente religioso, mas no coração, em espírito e em verdade! Peça a Deus, mesmo que você tenha certeza que é, para ser sempre um cristão verdadeiro!

"Todas as coisas, pois, que vos disserem que observeis, observai-as e fazei-as; mas não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não fazem. Condutores cegos! Que coais um mosquito e engolis um camelo. Como escapareis da condenação do inferno?" (Mateus 23:3,24,33)

"E sede cumpridores da palavra, e não somente ouvintes, enganando-vos com falsos discursos". (Tiago 1:22)


Denis de Oliveira é pastor da Assembleia de Deus, Ministério Poder de Deus, RJ.

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